O texto abaixo contém spoilers do filme
______________________________
Frida
(Frida)
Estados Unidos, 2002
De Julie Taymor.
Com Salma Hayek, Alfred Molina,
Geoffrey Rush, Antonio Banderas.
Sua personalidade já era espetaculosa, impactante mesmo na juventude, pelo que é retratado logo no início do filme, na pele da aplaudida atriz mexicana Salma Hayek, de As Loucas Aventuras de James West e Traffic. E o que é de uma vida engaiolada numa rotina contratual? Ela não preferiu experimentar, mesmo estando no breve início do século XX. Jovem, já aproveitava os prazeres da carne e do coração com o jovem namoradinho de colegial, enquanto via sua irmã preparar-se para o casamento. Questionava-se sobre qual a importância, o que seria essencial para o sucesso e a felicidade do mesmo. “Memória curta”, segundo o pai. Talvez lealdade, segundo, mais tarde, ela.
Os tratamentos impostos à nascente artista eram, além de severos, caros e pareciam pouco ajudar em sua recuperação. Acreditando em seu próprio mérito, muito por não suportar ser cárcere do sofrimento e da deficiência, Frida de si mesma fez emanar força e capacidade para voltar a estar de pé. E o que logo apressou-se a fazer foi levar suas gravuras para um famoso pintor da capital do país, politicamente esquerdista, sexualmente polígamo e socialmente boêmio, Diego Rivera, personificado pelo britânico Alfred Molina, de Chocolate.
Entrando em contato com a arte de Frida, Rivera se encantou não com a técnica, talvez até classificável como precária, mas com a veia artística que roborava um paradoxo entre seu candor e melancolia e sua angústia e barbárie. Na verdade, além e antes de se encantar com a arte de Frida, Diego se apaixonou por sua personalidade impactante, o que realmente confessa já nos últimos instantes do filme. Como de uma mulher poderia brotar tanta força em gestos tão simples e palavras tão medidas? Vendo em Frida mulher e artista únicas, levou-a consigo numa parceria eterna, ou ao menos vitalícia, como firmado nos primeiros encontros dos dois.
Era conhecida a fama de infidelidade de Diego e ele mesmo deixou aberto a Frida sua condição “fisiológica” de dependência do sexo. Rivera já havia dormido com praticamente todas suas modelos e poucas mulheres o conheciam apenas fora da cama. Mesmo sabendo disso, Frida optou por ouvir inicial e, assim, somente as juras de paixão e amor de Diego, que a pediu em casamento. Mesmo com dois desquites nas costas, ele recebeu um voto de confiança e uma única condição, a lealdade. É ao lado de Diego, que Frida conhece o mundo revolucionário, bêbado e noturno mexicano, o que a leva a se revelar, talvez através de sua paixão nata pelo impacto, bissexual e, supõe-se que de uma tentativa de paralelismo com o comportamento do marido, polígama.
A fama profissional de Diego o dá a chance de mostrar seu trabalho na Gringolândia nos Estados Unidos. Junto dele, novamente Frida e sua possibilidade de experimentar novos mundos. Gosto de arrogância e de nuances megalomaníacas, como relata a personagem no filme. Ela tira a prova do ambiente cinza, das pessoas esnobes, dos namoros insalubres, da saudade de casa. Contratado pela família Rockfeller para pintar um mural, Diego deixa seus preceitos ideológicos passarem por cima de seu profissionalismo e percebe que, apesar de aparentemente inspiradora, a América do King Kong é comandada pelo arbítrio de quem paga, não de quem faz.
É neste momento que dois fatos marcam a vida da personagem Frida mais uma vez. Inicialmente ela descobre estar grávida de Diego e, mesmo sabendo das possibilidades de insucesso, decidem acreditar num milagre, mas, por causa de seu acidente na juventude e das cirurgias em seu ventre, ela não consegue prosseguir com a gravidez. Pouco depois, a doença e morte de sua mãe é o motivo para o retorno de Rivera e sua esposa ao México.
Por causa das personalidades e comportamentos extremos e conflitantes, Panzon e sua Friducha passam a dormir em casas separadas, mas curiosamente ligadas por uma ponte. Numa espécie de respeito mútuo, os dois tentavam conviver como casal, mesmo mantendo romances extraconjugais. Porém, quando chama sua irmã Cristina recém-divorciada para ajudá-la em casa, recebe um duro golpe vindo de Diego, flagrando os dois juntos no ateliê dele. Gota d’água que faz Frida separar-se do amado marido e, como revelam biografias reais da artista, inábil de infringir sua raiva ao ex-companheiro, corta o longo cabelo e desce ao fundo do poço.
Ainda por perto, Rivera pede a Frida que asile um importante companheiro de revolução que está sendo perseguido na Europa e que escolheu o México para se esconder, o russo Leon Trotsky, vivido pelo aclamado ator australiano Geoffrey Rush, ganhador do Oscar 2007 por Shine - Brilhante. Seduzida pela nobreza de Trotsky, Frida mantém um curto romance com ele, até ser descoberta pela esposa do revolucionário russo. Diego a questiona por que havia cedido a Leon, mas o real questionamento que paira no referente momento do filme é que se Rivera realmente amasse tanto Frida, que amor seria esse tão pequeno incapaz de sobrepor necessidades “fisiológicas”? Sem respostas, Frida parte numa viagem para a França, onde exporia em Paris.
Outra vez, a personagem experimenta o dourado da cidade luz, seu jazz golden age, toda poética e melancolia inspiradoras do lugar, mas nada seria o mesmo sem seu Panzon. De volta ao México, descobre que está com gangrena no pé direito e tem de amputá-lo. Diante de mais um golpe, se vê novamente presa à cama, à deficiência, aos demônios da enfermidade. Como revelação de verdadeiro carinho, Diego se reaproxima dela, e é quem a descreve e introduz ao público da exposição da artista em sua terra. Mulheres haveria a cântaros, mas como Frida, somente Frida e nem se houvesse outra igual – como em uma de suas obras.
Presa, a ave voa quando deixa sua carceragem, mesmo que seus horizontes sejam parcos ou desconhecidos pela razão. A morte não seria outra cela ainda mais suja que sua moléstia, mas o descanso para a artista de cores fortes e imagens alegoricamente incitantes, perturbadoras, sem medo de impactar e de questionar. A morte seria tão somente mais um sublime espetáculo, tão somente mais uma obra, ou que melhor se diga, a conclusão de uma grande obra de quase cinco décadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário