Os Miseráveis
(Les Misérables)
Reino Unido, 2012.
De Tom Hooper.
Com Hugh Jackman,
Anne Hathaway e Russell Crowe.
(Les Misérables)
Reino Unido, 2012.
De Tom Hooper.
Com Hugh Jackman,
Anne Hathaway e Russell Crowe.
A promessa e a tentação feita pelos releases, trailers e sinopses dos filmes, em cima das costas das predileções aos altos prêmios do cinema e todo o laureio de Globos de Ouro e afins, criam uma faminta expectativa – e expectativa é um salto cego, quanto mais alto, mais alto é o vôo ou a queda. Para os cinéfilos-leitores, a premissa anuncia um banquete: ver as páginas de um dos maiores clássicos da literatura universal e os tons de um dos mais emblemáticos espetáculos musicais ingleses na película, com a fotografia e a arte d’O Discurso do Rei.
O banquete seria também para o próprio filme, já que o enredo é riquíssimo e carregado do mais puro e fino romantismo dramático. Mas o campo é frágil e ao sugar a história do livro, filtrada pelo musical londrino do trio Schönberg, Boublil e Kretzmer, no qual é baseada, a obra deixou para trás muito, talvez tentando eleger o que seria mais proveitoso para arrancar lágrimas e cantoria. Isso não destrói o filme como um todo, mas deixa um sentimento de falta.
Antes de qualquer análise ou discussão, é de extrema importância ressaltar que o filme inteiro, mas inteiro mesmo, é cantado ─ do primeiro ao centésimo quinquagésimo sétimo minuto. Não se conta cinco frases de diálogo corrido em nenhuma cena ─ e as músicas ficam na cabeça noites a finco. A presença torrencial de tanta melodia, herdada quase que fielmente da permuta com o musical de teatro, torna o decorrer do filme bastante pesado e olhos impacientes são expulsos da meada, sem bilhete de volta.
O conteúdo massivo de música, somado ao vertiginoso caráter dramático, conduzido de forma a extrair o máximo de emoção de todo personagem e todo ato, consome muito tempo de filme, e é provável que aí esteja o motivo de tanta urgência em cada passagem. Mais uma leve falta: o tempo de assimilação para quem assiste, já que uma cena cheia de significado, música e lágrimas acaba e imediatamente outra já emerge com significado, música e emoção de completa diferença. Essa atitude chega ao ponto de lançar oito ou nove anos de história em dois segundos e em alguns momentos mutila o enredo original.
O conteúdo massivo de música, somado ao vertiginoso caráter dramático, conduzido de forma a extrair o máximo de emoção de todo personagem e todo ato, consome muito tempo de filme, e é provável que aí esteja o motivo de tanta urgência em cada passagem. Mais uma leve falta: o tempo de assimilação para quem assiste, já que uma cena cheia de significado, música e lágrimas acaba e imediatamente outra já emerge com significado, música e emoção de completa diferença. Essa atitude chega ao ponto de lançar oito ou nove anos de história em dois segundos e em alguns momentos mutila o enredo original.
O início da história de Jean Valjean, vivido pelo Hugh Jackman (sem a adrenalina de um X-Man), é vital para o carisma do personagem: seu roubo para alimentar o mais próximo. Em um possível desejo de deixar pairar a dúvida sobre a índole de Jean, essa passagem foi amputada e a primeira cena já acompanha o miserável pagando o final de sua pena de servidão aos pés de um inexpressivo (também musicalmente) Javert (Russell Crowe) ─ cena essa muito bem construída, por sinal, que, entretanto, já dá mostras da soberba que o filme derramará a cântaros.
A riqueza visual dos cenários é sublime, aliada a efeitos especiais que ajudam bastante na ambientação dos personagens no que seria a França dos séculos de revolução. Aqui, o porém está na escolha da fotografia que oscila bastante. Ora aproveita elementos e embevece de personalidade, ora omite a atmosfera externa e concreta, apostando em centrar-se no íntimo de cada papel.
Aposta perdida, por exemplo, na sequência de Eponine, na cena em que chora a não correspondência de sua paixão pelo revolucionário Marius (vivido por Eddie Redmayne e suas sardas), ainda sendo confidente de seu amor proibido. Perdida não por demérito da jovem atriz Samantha Barks, que canta e atua bem ─ mesmo curiosamente provinda de um reality show ─, mas da câmera que fecha na atriz e a persegue durante os minutos de sua canção de amor platônico.
Aposta vencida na cena comovente em que Fantine Hathaway canta I Dreamed a Dream, com emoção aparente e inebriante ─ nem Susan Boyle fez melhor. Lamentável que a passagem da atriz de O Diário da Princesa e O Diabo Veste Prada, em tão ilustre atuação, tenha sido de tão pouco tempo na tela. Essa injustiça pode ter sido o motivo de ganhar seu Oscar, para fazê-la acreditar que o pouco valeu muito. Para atriz, que tenha valido, a urgência do filme que não permitiu uma melhor exploração da personagem.
Desde as controvérsias da época de O Discurso do Rei, que a presença de Hooper nas cadeiras cativas do alto cinema levanta especulações sobre suas costas quentes. Mas Os Miseráveis, assim como seu antecessor, somam méritos imprescindíveis. Com toda certeza, realizar um filme de tamanha magnitude, não só no resultado, mas também no compromisso, foi um grande desafio. Desafio muitas vezes maior que, para espectadores inquietos, conseguir assistir o filme inteiro.
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