21 de fev. de 2013

A Estrada - Análise


O texto abaixo contém spoilers do filme
A Estrada
Assista antes.

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A Estrada
(The Road)

Estados Unidos, 2009
De John Hillcoat.
Com Viggo Mortensen,
Charlize Theron e Kodi Smit-McPhee.


Chato. Seria o primeiro e mais superficial adjetivo dado por quem assiste a A Estrada. Ver pai e filho vagando por um mundo cinza, inóspito e morto por algum apocalipse barato que transformou nossa Terra num inferno já muito familiar – déjà vu de O Livro de Eli ou o episódio A Extinção da série de Resident Evil. Contudo, aqueles mais atentos bem sabem que o filme é uma adaptação e de um livro do mesmo autor de Onde Os Fracos Não Têm Vez, Corman McCarthy. O que isso quer dizer? Que é muito possível perceber uma profundidade e até mesmo uma subjetividade nas entrelinhas (ou entrecenas).


O roteiro foca na trajetória de um pai (Mortensen, em ótimo vigor) e seu filho (o pequeno notável Smit-McPhee) fugindo dos perigos do mundo pós-apocalíptico no qual não há nenhum sinal de vida, exceto pelos pequenos grupos humanos ou andarilhos solitários, sobreviventes da estranha catástrofe que devastou o planeta. A diferença deste para o inferno de Eli é a falta de lutadores estilosos (com suas máscaras a las batalhas de Riddick) e mafiosos bons atiradores e também de cidades com prefeito, bares, pousadas, sombra e água fresca. Mas pai e filho também carregam uma missão, a de levar acesa a chama dos bons homens, num ambiente em que, no meio da fome e dos incendios que ameaçam a vida, o maior perigo é os maus, que saqueiam, roubam, matam e comem a carne de seus semelhantes.

Flashes revelam o peso sobre as costas dos dois, carregado em forma de medo e ressentimento por todo o filme (impressos nas duas balas guardadas na arma que carregam para uma eventual garantia de suicídio diante do sofrimento): a mãe desta família (Theron), que estava grávida quando o colapso aconteceu e deu à luz quando o mundo já queimava e gritava de dor. Antes de saírem vagando sem teto e sem certeza de amanhã, os dois estavam em casa com ela, que desistiu da vida, se entregando à escuridão. A entrega desestabilizou a fé de pai e filho que partiram em sua jornada para o sul, levando lembranças e o que de proveitoso aparecia pelo caminho. 


O enredo vem ganhando profundidade a cada novo desafio enfrentado. Em quem confiar numa problemática repleta de hostilidade como esta? Até que ponto é certo entrar nas casas que aparecem pelo caminho em busca de comida e abrigo? Seria roubo, nestas condições, aproveitar suprimentos alheios? Os questionamentos levantados no filme são de passar dias refletindo. Um apocalipse como o apresentado poderia não destruir a humanidade por inteiro no caráter populacional, mas e o caráter moral? Ou seja, o que seria humanidade num ambiente como tal? O personagem de Mortensen sempre ressalta para o filho que ele deve aprender os valores dos que carregam a chama dos bons ­─ a lealdade, a fortaleza, não fazer o mal a seu semelhante ─, mas em episódios práticos, rondou a negligência com seu próximo. E vêm os questionamentos: foi justificável?

Analisando tais indagações, vemos que os conflitos da obra estão muito presentes, mesmo antes deste cataclisma, nos dias mais hodiernos. Exaltar a solidariedade, a empatia, o altruísmo, todo o baú de carácteres morais é comum em qualquer status de rede social, em qualquer discussão de valores durante o intervalo do jogo ou entre as palitadas da hora do almoço. Na hora de protejer ─ na prática ─ os direitos de alguém que roubou para matar a fome ou ainda de um estuprador, é fácil refutar, amolecer a justiça e beirar a mesma desumanidade de deixar um homem sozinho e nu no frio. Não é preciso um apocalipse para valores serem corrompidos.

Mais óbvio do que difícil é sacar a grande metáfora: por mais vívidos e esperançosos que formos, perseguimos a morte ─ esta é a chegada de todo percurso. Tom Chiarella bem qualificou o filme como “(...) um olhar romântico, delicado e anacrônico do imodesto e bruto fim de todos nós”. A estrada que percorremos é nossa cruz e nossa fé, melancolicamente íngrime e decadente. Este é o retrato pintado (de cinzas e lixo) pelo filme. Mesmo que delimitado para figurar uma realidade sofredora de pai e filho que precisam partir sozinhos. Realidade dura de uma família ínfima, sem a figura doadora de luz que seria a mãe. 


Seguir, enfrentando aqueles que não se importam conosco; fugir, buscando abrigo para a mente a cada noite fria; lutar pelo suprimento do corpo e da alma, de fé, de força e de integridade; essa é a batalha nossa de cada dia de ontem, de hoje e de amanhã ─ talvez o dia do fim daquilo que mais acreditamos.

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